O Mito do Orgasmo Vaginal
Talvez você estranhe o termo "mito orgamos vaginal", pois não existe orgasmo clitoriano, vaginal, do ponto G, tântrico, com ejaculação, orgasmos múltiplos e orgasmo por ter os dedos do pé chupados? Na realidade, todos são a mesma coisa: um orgasmo. A resposta mental e física é a mesma. A diferença reside apenas no que o provoca.
Falar de "orgasmo clitoriano" e "Orgasmo vaginal" é impreciso, levando em consideração o grande envolvimento do clitóris no sexo vaginal. Na verdade, a própria vagina é bastante insensível.
Por muito tempo, as mulheres têm sofrido com a sensação de que existe uma hierarquia de orgasmos, e que o chamado orgasmo vaginal, provocado apenas pela relação vaginal, está no topo. Sentem que tem algo de errado com elas se não atingirem o orgasmo só com o "entra e sai" como Alex DeLarge gosta de chamar no romance Laranja mecânica. É como se estivessem roubando se precisarem dar uma ajuda com os dedos ou serem lambidas para gozar.
Isso é estranho. Não só porque um orgasmo é um orgasmo de qualquer forma, mas também porque tal maneira de atingir o orgasmo na realidade é incomum para as mulheres. E como surgiu essa classificação estranha dos orgasmos femininos? Em todo caso, não se trata de resquícios dos tempos bem antigos. Antes do Iluminismo, acreditava-se que a mulher precisava ter orgasmo para poder engravidar. Se quisessem garantir a gravidez, o homem e a mulher até teriam que gozar simultaneamente.
Naquela época, com mortalidade infantil altíssima, ter muitos filhos era um objetivo importante. Portanto, proporcionar o orgasmo à mulher se tornou uma arte que os homens teriam que aperfeiçoar para garantir herdeiros. A chave para o orgasmo da mulher residia na estimulação direta da cabeça do clitóris.
Enfim, os homens do século xvII conheciam o terreno, mesmo que estivessem enganados sobre muitas outras coisas nesse mundo. A fonte do complexo de inferioridade do chamado orgasmo clitoriano se encontra muito mais próxima da nossa era. Temos que passar ao século xx.
"A distinção entre o orgasmo vaginal e o clitoriano, e a exaltação do orgasmo vaginal como o verdadeiro orgasmo, não passa de uma invenção masculina relativamente moderna. "
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, lançou uma nova teoria em 1905, postulando que o orgasmo clitoriano era o orgasmo da mulher jovem e imatura. Era o tipo de coisa que só deveria ocorrer no quarto de menina. Assim que a moça descobrisse o sexo masculino, o interesse pelo clitóris passaria e seria substituído por um ardente desejo de ser penetrada. A união entre homem e mulher era a única forma saudável de sexo e a única que deveria dar prazer à mulher. De acordo com Freud, mulheres de verdade tinham orgasmo vaginal.
De onde Freud tirou essa ideia?
Da própria cabeça, obviamente! Não importava que houvesse inúmeras mulheres por aí que discordavam profundamente de sua posição, pois elas eram doentes. Sofriam de frigidez, uma condição difusa, caracterizada sobretudo pela incapacidade da mulher de obter prazer através do maravilhoso membro masculino da maneira como deveria. Era a técnica suprema de domínio: ou você concordava com ele ou era louca.
Segundo Freud, as mulheres deveriam procurar um psicólogo com urgência caso achassem gostoso tocar o clitóris, ou, Deus nos livre, não atingissem o orgasmo através da relação vaginal com o marido. Naturalmente, aquilo era muito confortável para o homem. Se a mulher não gozasse, não eram suas qualidades de amante que deixavam a desejar, era ela quem precisava se emendar. Com isso, o homem tinha recebido a bênção oficial para ir em frente, gozar e virar de costas satisfeito para desligar o abajur. O prazer da mulher era responsabilidade dela.
Freud não era qualquer um, e sua teoria ganhou muitos adeptos. Assim, a experiência milenar das mulheres foi descartada num instante como uma neurose infantil. O clitóris, que fora conhecido como o pivô do prazer sexual da mulher durante séculos, caiu no esquecimento e desapareceu das enciclopédias anatômicas. Quase sessenta anos se passariam até alguém se atrever a protestar.
Na década de 1960, uma revolução silenciosa começou a tomar forma no Hospital Universitário de Washington, nos Estados Unidos. O ginecologista William Masters e a psicóloga Virginia E. Johnson passaram a se interessar pela sexualidade feminina e iniciaram uma série de experimentos que, de acordo com os padrões atuais, eram completamente insanos: recrutaram casais para fazer sexo em laboratório conectados a aparelhos de medição na frente de uma plateia empolgada de cientistas. Eles até fizeram um pênis vibrador de plástico com uma câmera na ponta para que pudessem observar o que acontecia dentro da vagina quando as mulheres gozavam. O resultado dos estudos foi considerado uma descoberta chocante: o clitóris era crucial para o orgasmo da mulher.
Hoje sabemos que menos de um terço das mulheres goza regularmente como resultado da relação vaginal, e, mesmo para elas, tudo indica que o clitóris desempenha um papel central. Alguns pesquisadores acreditam que essas mulheres tiveram sorte na loteria anatômica. Pois, ao que parece, o tamanho e a localização de seu clitóris são especialmente favoráveis.
Mas, já que os homens por muito tempo dominaram a pesquisa da sexualidade feminina e o discurso público sobre sexo, isso foi deixado de lado. Sexo se tornou sinônimo justamente daquela atividade que quase só garante o orgasmo ao homem: o pênis na vagina. Até se diz que uma relação é "consumada" apenas quando o homem atinge o orgasmo.
Se só a mulher gozar, a relação sexual, em teoria, não acabou - é um coito interrompido. A mulher é irrelevante.
O sexo de rotina deveria ter a ver com o prazer e o orgasmo de ambas as partes. Nesse caso, sexo num relacionamento heterossexual poderia muito bem significar, por exemplo, metade chupada e metade penetração. As mulheres lésbicas relatam orgasmos mais frequentes durante a relação do que suas contrapartes heterossexuais, portanto é evidente que temos algo a ganhar com a ampliação do repertório. É errado descartar o orgasmo feminino como um bônus. Deveria ser frequente com as mulheres também.
No entanto, não há como negar que é mais difícil para nós atingir o orgasmo. A parcela de mulheres anorgásmicas - ou seja, que nunca tiveram um orgasmo, nem sozinhas nem com alguém - fica entre 5% e 10%. Para os homens, é geralmente o contrário seu problema é a ejaculação precoce.
Num amplo estudo britânico, verificou-se que 21% das mulheres na faixa etária de dezesseis a 24 anos tinham dificuldade de atingir o orgasmo durante a relação sexual. A maioria das mulheres se encontra na categoria de quem "goza de vez em quando".
Mas a notícia animadora é que a grande maioria das mulheres pode ter orgasmo se quiser! O desafio é dar o passo, começando a gozar sozinha e de vez em quando, até quase sempre atingir o orgasmo. Não dizemos que é simples ou especialmente importante se estressar para ter um orgasmo, mas é possível se você estiver disposta a se empenhar.
Trecho retirado do Livro Viva a Vagina por Ellen Stoken e Nina Brochmann